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Por: Fabrício Cardoso
fabricio.cardoso@diariosp.com.br
Brasil e Uruguai ergueram cidades siamesas. Não há rios nem milicos a desenhar a fronteira. Basta atravessar uma rua e, pronto, se está no estrangeiro. Trata-se de topografia especialmente hostil a quem perde a Copa para o país da esquina. Graças às facilidades geográficas, em 16 de julho de 1950, horas após o Maracanazo, uruguaios se jogaram às ruas fazendo bullying com vizinhos brasileiros.
Naquele vazio de uma derrota até hoje dolorida, houve quem se defendesse mostrando a foto de um outro Brasil, um Brasil que, segundo jornais da época, “soube honrar o futebol nacional”.
O consolo para os fronteiriços vinha da proeza de um clube do interior gaúcho, 119 dias antes da maior tragédia do futebol brasileiro. Em 19 de março, o Brasil de Pelotas bateu por 2 a 1 o Uruguai, com Máspoli, Ghiggia e Obdúlio Varela em campo. Detalhe: no Centenário.
Foi uma estupenda malcriação do clube que, hoje na Série D, tem uma das torcidas mais apaixonadas do Sul. “Fiz contorcionismo para sintonizar a rádio de Montevidéu e fomos invadidos por uma felicidade extrema quando o jogo acabou”, relembra-se Clóvis Russomano, torcedor octogenário do Xavante, apelido do clube.
tiro n’água/ Para quem entra no país pelo Sul, Pelotas é a primeira cidade com mais de 300 mil habitantes. Mas não foi só pela logística que a Federação Uruguaia fez o convite para o amistoso. Havia a intenção de testar a Celeste contra um time brasileiro, mas sem se expor a grandes riscos. “Eles nos queriam para ‘sparring’, mas a coisa não saiu como os castelhanos esperavam”, orgulha-se Claudio de Andrea, organizador do livro “Identidade Xavante”.
Por se tratar de um amistoso, sobravam lugares no Centenário. Mas fotos mostram a tribuna tomada de torcedores. Todos se tornaram testemunhas da tarde inspirada de um conterrâneo. Uruguaio, o goleiro Raul Arizabalo chegou a Pelotas em 1949. Esguio, de temperamento glacial, parou o ataque que meses depois arruinaria a reputação de Barbosa, no Maracanã.
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Como a Celeste vacilava, o Xavante se agigantou. Darcy abriu o placar. Schiaffino empatou, mas, no fim, a vitória veio num pênalti de Mortoza.
Dois dias e 600 km depois, o time encontrou as ruas de Pelotas acarpetadas de gente. Foi uma das maiores manifestações populares vistas na cidade, maior até que a visita de Getúlio Vargas, semanas antes. “Fiquei tão radiante com nossa proeza que não me dei o direito de ficar triste com a Copa”, diz Russomano, a quem os sentimentos de 1950 são eternos. Para o bem e para o mal.
Gol histórico foi marcado pelo tio do escudeiro de Felipão
O jogo caminhava para um empate em 1 a 1, o que já seria um senhor resultado para o Xavante, quando Darcy, autor do primeiro gol, foi derrubado na área uruguaia. O time inteiro olhou para Mortoza, cuja potência na perna direita lhe rendeu o apelido de Canhão da Baixada. Com a brisa do Rio da Prata a soprar no rosto, o ponteiro, que faria 26 anos no dia seguinte, correu e soltou um tiro seco. Se houvesse fotógrafo atrás das traves, Máspoli, o goleiro campeão da Copa, perigava ficar fora do quadro.
Apesar do momento único, balançar as redes pelo Xavante sempre foi uma rotina para Mortoza. Até a aposentadoria, em 1956, foram 224 gols, estatística que faz do ex-jogador o maior artilheiro da história do clube.
Morto em 1996, aos 72 anos, Darci Lopes da Cunha abriu uma linhagem de futebolistas pelotenses. O apelido, Mortoza, veio sob inspiração da vila natal do pai, João, um português que migrou para Pelotas na primeira metade do século passado.
Mortoza é irmão da mãe de Flávio Teixeira, o Murtosa, auxiliar técnico da seleção brasileira e fiel escudeiro de Felipão há mais de três décadas.
“Flávio ficou órfão de pai cedo e, como ambos jogavam como ponteiro-direitos, não seria exagero dizer que meu avô o inspirou para a carreira no esporte. Também foram os únicos da família a usar bigode”, atesta
Ricardo Costa da Cunha, neto de Mortoza, sobrinho de Murtosa, ele também preparador físico.
Caso Neymar e companhia cruzem o caminho do Uruguai neste Mundial, não deixa de ser um bom sinal ter por perto um sujeito com inclinações genéticas para vencê-los, mesmo nos anos mais difíceis.
Clube lança camisa que festeja o jogo
Fabricante de material esportivo do clube, a Dresch Sport se viu em problemas ao projetar uma camisa reversível comemorativa à vitória no Centenário. O maior rival do Xavante, o Pelotas, veste as cores amarelo e azul.
A saída, conservadora, foi optar pelo branco no lado uruguaio. O modelo custa R$ 199. “Abrimos pré-venda e mil torcedores compraram uma camisa que nunca viram ao vivo. É impressionante, o amor deles”, festeja Vinícius de Carvalho, representante do marketing da Dresch.
Zagueiro saiu do Brasil vitorioso rumo ao Rio de Janeiro... E perdeu
O zagueiro Juvenal trocou o Brasil de Pelotas pelo Flamengo e, com isso, acabou convocado para disputar a Copa de 1950. Homem que desconhecia a cor da grama, por jogar sempre de cabeça erguida, Juvenal aparece abraçado a Tibirica, lateral que ajudou a segurar Ghiggia e Obdúlio Varela, naquela tarde de março de 1950.
Milar solidifica alma uruguaia
Não é só pelo triunfo no Centenário que os xavantes nutrem simpatia pelos uruguaios. Nasceu no lado deles do Chuy o maior ídolo da história do clube. Dono de um português arrastado, Claudio Milar defendeu o time por sete temporadas, com 110 gols em 208 partidas. Morreu em 2009, aos 35 anos, no acidente com o ônibus do clube, quando também morreram o zagueiro Régis e o preparador de goleiros Giovani Guimarães.
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